Sinto falta.
Faz-me falta.
Falta.
Uma clareza idónea que faz mal.
Uma certeza plena que dói.
Um conhecimento premonitório que dilacera.
Uma vontade cega de mandar tudo isso à merda e fazer mesmo assim.
Há momentos em que ao passar os olhos pelos saltimbancos que fazemos da vida, batemos de frente com excertos que traduzem por palavras a barafunda que nos caracteriza.
Os sonhos são uma areia movediça perigosa sobre o qual caminhamos alegres e perfeitos ignorantes do perigo. Não interessa se não se sabe o que se quer, o essencial há-de sempre pertencer ao que não se quer. E a carência resulta da indefinição que damos a essa vontade.
Sei com toda a minha coerência pessoal que aquele é o devaneio morto ainda antes de nascer, mas no silêncio é dentro do peito que o sonho que mais se teme quer brotar, espreitando tímido, tentando sair da fantasia em que o trancamos.
Luta haverá sempre, sob o punho pesado dos sonhos reis e senhores prontos a sacrificar vísceras e coração, em prol de vitórias infrutíferas que nunca trarão a felicidade sem deixar um rasto de demasiadas baixas impossíveis de colmatar.
Conduzo naquela estrada estreita que escorre e se perde qual rio por entre a serra densa de árvores.
É noite de luar. Uma lua farta que ilumina tudo como uma luz de presença a criar sombras tenebrosas.
Piso o acelerador até não poder mais, não sou mais eu mas um vazio de movimentos mecânicos.
Sinto o carro fugir, descontrolado, numa curva demasiado apertada e assim me deixo ir a deslisar estrada fora em contramão até quase cair no precipício fundo lá em baixo, ficando imóvel parada a olhá-lo de frente. Inspiro e expiro como se a dor fosse feita de ferro e acelero veloz uma vez mais. Perdi-me algures do meu corpo. Há partes das quais não se sabe abrir mão.
E quando nos sentimos afundar aos poucos lá fora ninguém sabe. É o som de perder o que nunca se encontrou.
Tudo o que dá vontade é de fazer birra. Daquelas como as crianças com direito a amuo com beicinho e braços cruzados de muito mau humor.
Nada que um par de estalos não resolva.