No outro dia enquanto procurava um papel encontrei uma velha caixa de sapatos. Vasculhei esses pedaços de infância. Bilhetes de cinema, de comboio, bilhetinhos trocados nas aulas, cartões, cartas, tudo o que se pode imaginar guardado e esquecido com o passar dos anos.
Sempre gostei de bilhetes e cartas e de guardar tudo que que tivesse memórias, mesmo que hoje não esteja bem certas delas ao olhar para aqueles bocados amarrotados de lembranças. Outros lembro-me mais do que queria. Daqueles com caligrafia bem demarcada carregada de cheiros, sentimentos e recordações palpáveis.
Quantos bocados de papel encontrei que nunca chegaram ao destinatário, outros que não passam de desabafos meus. O que me ri com eles ao relê-los e quanta saudade consegui sentir de como naquele tempo tudo era simples e inocente.
Gostava de poder sentir todo aquele turbilhão de sentimentos outra vez. Às vezes t
enho pena de nunca ter recebido uma carta de amor, daquelas à séria, que fazem sonhar .
À pouco perdi-me algures a ouvir Ray Charles, nunca tinha ouvido como hoje, música atrás de música.
Soube-me bem. Sinto-me bem e não sei o motivo.
Sou a primeira a arrumar cada coisa no seu sitio. E sei onde está cada coisa na minha bagunça pessoal. Mas aquilo que sinto juro que para mim é uma incógnita.
Funciono a meio gás movida à electricidade estática de um tornado que me tolde a existência.
Como é possível conseguir ser optimista tantas vezes ao dia.
Gosto de máquinas de escrever.
Nunca tive nenhuma e poucas são as memórias de me autorizarem a mexer na única com a qual tive contacto por alguns minutos. "Não podes mexer!!", diziam quando tentava apanhar alguém distraido para me apoderar daquela coisa.
Acho que sempre foram todos aqueles botões e o som inconfundivel e o ter de empurrar quando a linha chegava ao fim. Era tudo.
Lembro-me também do cheiro a corrector, que saia da ponta do pincel sempre pronto a actuar quando a letra era a errada. Ali tal como na vida havia sempre uma solução à distancia de um sopro para tudo ser mais rápido.